A produção cerâmica de Lilian Malta: quando a delicadeza é o oposto da fragilidade

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Estive recentemente no ateliê de Lilian Malta, em São Paulo, e saí de lá encantada com a sutileza e a precisão do seu trabalho. Entre fornos, moldes e experimentos, ela transforma a porcelana e o Bone China em peças finíssimas e translúcidas – quase imateriais. Também me chamou atenção o modo como ela conduz o processo: com paciência, rigor e uma curiosidade que não se esgota – o prazer na experimentação dos materiais, das formas, cores e texturas ficou visível durante toda minha visita.

Lilian elegeu duas matérias-primas para trabalhar: porcelana e Bone China, uma espécie de porcelana de altíssima qualidade, translúcida e muito resistente, feita com a adição de cinzas de ossos ao caulim. O resultado é uma cerâmica fina e superbranca, valorizada por sua delicadeza e durabilidade.

A seguir, a artista autodidata conta um pouco sobre seu processo criativo.

Coleção Estrata – bone china com ou sem detalhes em ouro

Como você se define enquanto criativa?

Eu me vejo como alguém movida pela curiosidade e pela experimentação. Meu processo não nasce de ideias preestabelecidas ou de uma busca por perfeição. Surge do toque, da observação e da relação íntima com o material. Sou acelerada, inquieta, e busco a verdade em cada gesto. Para mim, a criatividade é permitir que cada peça tenha sua própria história, sua própria expressão.

O que a levou a buscar a cerâmica como forma de expressão?

Vim da Biologia, e em algum momento senti necessidade de experimentar algo mais ligado à expressão das emoções. A cerâmica apareceu como um caminho natural para isso. Comecei manipulando argila em 2016, e embora tenha enfrentado desafios no início, encontrei na porcelana um material sensorialmente gentil, que me permitiu desenvolver intimidade e liberdade. Ela me acolheu, e através dela pude experimentar, errar, explorar e, finalmente, criar algo que fosse exclusivamente meu.

Coleção Imensidão – porcelana com esmalte celadon

Hoje você trabalha com Bone China e também com porcelana, certo? Quando opta por um material e pelo outro – e quais as diferenças entre eles?

Sim. A porcelana é o material que me abriu portas, foi com ela que ganhei intimidade com processos mais delicados. Ela é resistente, durável, versátil e excelente para experimentar formas e texturas. O Bone China, por sua vez, é o auge da porcelana: branco puro, translúcido, com alta resistência mecânica. É um material extremamente exigente e delicado. Opto pelo Bone China quando busco peças extremamente finas, que exploram luz e delicadeza. Cada material tem seu momento: a porcelana é mais generosa para experimentações, já o Bone China exige respeito, paciência e atenção aos detalhes, mas recompensa com uma beleza ímpar.

Quem são seus mestres ou suas referências?

Tive a sorte de aprender com vários professores e mestres internacionais, do Japão à Inglaterra, Itália, Dinamarca e Coreia. Mas, além disso, minhas maiores referências surgem da observação da natureza, do mundo vegetal, mineral e orgânico, e de artistas que me inspiram à liberdade de criação, como Francisco Brennand. Mais do que técnica, busco autorização interna para experimentar, para acolher a imperfeição e criar com autenticidade.

Coleção Expansão – bone china

O que te inspira?

A inspiração está na vida e na natureza. Observo o movimento de folhas, o relevo de troncos, a textura das pedras, a fluidez da água. O reino mineral e vegetal me ensina sobre formas, cores, ritmo e transformação.

O que você busca quando cria uma peça?

Busco os limites de expressão através do material. Não penso em função ou utilidade, penso em beleza, em permitir que cada peça seja reconhecida e apreciada por sua própria essência. A imperfeição é valorizada, porque revela a história da peça, seu processo, sua vida.

Existe algo que a cerâmica a tenha ensinado e que leva para a vida?

A cerâmica me ensinou a acolher o imperfeito, a celebrar a transformação e a reconhecer a beleza naquilo que antes poderia parecer erro. Aprendi que não existe perfeição absoluta, apenas momentos de satisfação autêntica. Esse aprendizado atravessa minha vida: me torna mais generosa, mais paciente, mais capaz de ver valor no inesperado e de encontrar sentido e beleza em cada experiência.

Coleção Estrata – bone china com ou sem detalhes em ouro


Fotos: Guilherme Farias (still), Marco Antonio (fundo areia) e Ricardo De Vicq (retrato, mãos e amostras de esmalte)

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