Comer com os olhos

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Projeções percorriam a mesa em diversos momentos da degustação

Refeições-espetáculo, para comer com os olhos, as mãos, os ouvidos, e… ah, sim, com a boca. Assim são as sessões de degustação da mostra Como Penso Como, idealizada por Simone Mattar, que acontece no Sesc Pompéia, em São Paulo, até o dia 08 deste mês (última chamada, portanto!!).
A união de gastronomia, design, arte e cultura é o ponto forte da exposição. Logo na entrada, se avista o “bolo de rolo”, espaço cilíndrico em cujas paredes internas acontece a projeção de um filme que aborda a relação do homem com a comida e seu significado ao longo da história.
Ao redor deste espaço, estão distribuídas as ilhas de conteúdo, que exibem vídeos relacionando o food design com diferentes assuntos, como as manifestações populares brasileiras, as religiões e a identidade cultural.
Mas o grande momento, sem dúvida, é a degustação, quando designers, chefs de cozinha, historiadores, artesãos, artistas e músicos trabalham juntos na criação de uma espécie de “ópera gastronômica”.
Pratos, travessas e talheres foram desenvolvidos especialmente para a degustação, tirando partido de técnicas artesanais como o cinzelado e a escultura em osso ou resgatando o trabalho de uma tradicional indústria cerâmica, como é o caso do pedestal de porcelana criado para o prato A Preço de Banana, que resultou da fusão de três peças preexistentes da empresa, conta o coordenador de design Christian Ullmann.
Parabéns a Simone Mattar e toda a equipe envolvida nesse trabalho, que certamente exigiu muito empenho de todos (Simone me disse que, só da parte dela, são cerca de 4 anos de pesquisa!). E também para o Sesc, por abrir espaço a uma proposta inovadora neste nível. Pena que, por razões práticas, esta experiência fica restrita a uma pequena parte da audiência (infelizmente os ingressos estão esgotados). Mais um motivo para eu postar tudo aqui. Bom apetite!!

“O Grande Poder”: uma luminária comestível feita de filigrana de mandioca ilumina o bloco de madeira que serve de apoio para o prato, que tem pato curado no molho de arubé (feito com tucupí) com farinha ovinha, croquete líquido de tacacá e mandioca crocante. Tem inspiração no repente de Mestre Verdelinho, “O Grande Poder”, em que se fala que a mandioca é uma “obra positiva” que a terra gera como alimento para todo mundo comer
“A Cabeça do Bispo”: inspirado na lenda do primeiro banquete antropofágico de que se tem notícia, quando o “prato principal” foi o Bispo Sardinha, comido pelos índios caetés na costa brasileira no século 16. As cabeças prateadas comestíveis são, na verdade, um patê de sardinha, servidas sobre um crostini negro serigrafado com desenhos de espinhas de peixe. As cabeças foram desenhadas em um software e impressas em 3D para criar o molde de silicone; após serem recheados com o patê, os moldes são colocados no congelador, para que o patê adquira a consistência necessária para ser desenformado
“Sonho Real”: inspirado no Baile da Ilha Fiscal, o último baile do Império no Brasil, em 1889, para marcar o glamour da corte contra os ventos republicanos. O baile ficou famoso como a festa brasileira mais ostensiva que já se viu. Um travesseirinho de porcelana biscuit serve de suporte a uma versão salgada de sonho, recheado com creme de bacalhau, e coroa de telha de alho
“Ar das preces, psicografado por Olodumaré”: inspirado nas cerimônias do Candomblé e na comidas de santo, o prato homenageia Iemanjá, Ogum e Exú, representados nos três patuás feitos com massa de farinha de arroz e leite de coco, recheados com suas respectivas oferendas: peixe, camarão e flor de alho para Iemanjá; vinho de palma e quiabo para Ogum; e galo capão e pimenta biquinho para Exú. No centro do prato, uma esfera transparente comestível (feita de açúcar) guarda fumaça aromatizante de cravo, canela e casca de obi
“Peripécias de bode no reino dos bacanas”: feita a partir da técnica do cinzelado, a marmita de alumínio em forma de mandacaru traz referências de Lampião, do Abaporu de Tarsila do Amaral e de Glauber Rocha. Na marmita, são servidos arroz cateto, paleta de bode glaceada, jerimum, queijo coalho, leite de cabra e manteiga de garrafa. Sobre a base, gelatina de figo da índia, bolo de amendoim e farofa de paçoca de pilão
“Ossos do Ofício”: ossos bovinos esculpidos por artesãs da cidade sulmatogrossense de Jardim servem panceta crocante com purê de limão, picles de vegetais e flores orgânicas. Provenientes de frigoríficos, os ossos são raspados e esculpidos cuidadosamente até ficarem com aspecto de marfim
“A preço de banana”: o prato questiona a imagem de um Brasil “vendido a preço de ouro” lá fora, enquanto aqui dentro a realidade é outra. Sua inspiração vem de Carmen Miranda, seus balangandãs e chapéus de frutas. Durante muito tempo, o Brasil foi identificado como “República da Banana”, como eram conhecidos vários países não industrializados da América do Sul. O pedestal escultórico de porcelana exibe uma banana-ouro, feita de mousse de chocolate branco com recheio de bananada e coberta por uma capa de canela dourada. Na frente do pedestal, lê-se, em dourado: “A preço de banana”. A pergunta é: “Que banana é esta? Ela vale seu peso em ouro ou esconde uma realidade oposta?”
“Conflito’’: inspirado na Festa do Divino, o prato representa a influência católica na comida brasileira. Vinda de Portugal, essa festa nasceu de uma situação de conflito entre o marido e o filho da rainha Isabel de Aragão; diante da discórdia, ela suplica ao Espírito Santo pela paz. Esse prato nos lembra que, apesar da aparente paz que reina durante a Festa do Divino, o mundo que nos rodeia é repleto de guerras e desentendimentos. O tema está ilustrado pela Pomba do Divino, representando a paz e a harmonia, cercada de nomes dos lugares onde acontecem conflitos ou guerras pelo mundo. A ilustração é estampada com calda de chocolate e o fogo é uma mousse de chocolate coberta com páprica picante
“Tabuleiro brasileiro”: reúne memórias de quitutes culinários resgatados do imaginário popular, que aqui ganham novas texturas e embalagens comestíveis. É composto por paçoca Amor feita com mousse de amendoim e envolta em folha de coco, mousse de queijo com goiabada, envolta em papel de goiaba e balinhas de jabuticaba com os dizeres “como penso como”, todos concebidos pela designer. Enfeitando o prato, uma rendinha super macia (e saborosa) de cupuaçu
Artistas em performance: durante a degustação, a história de cada prato era declamada e/ou cantada
Talheres criados para a mostra: as formas primitivas se equilibram com a gráfica rebuscada, gravada com ácido no aço inox

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