Adoro conhecer histórias de quando um “problema” se transforma em algo valioso por meio do design. E essa é uma delas.
Tudo começou quando, há cerca de um ano, Marcelo Rosenbaum e o Instituto A Gente Transforma foram contatados pelo projeto Maceió Mais Inclusiva Através da Economia Circular – uma cooperação técnica do BID Lab (o Laboratório de Inovação do Grupo BID – (Banco Interamericano de Desenvolvimento) em parceria com o IABS (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade) e a Prefeitura de Maceió – para dar um destino às 200 toneladas (!) de conchas de sururu que se acumulavam todos os meses na Lagoa Mundaú, gerando um problema ambiental e de saúde pública para as seis comunidades que vivem ali, no bairro de Vergel do Lago, na capital alagoana.
O sururu, muito apreciado na culinária alagoana e um importante símbolo da cultura local, é Patrimônio Imaterial de Alagoas desde 2014. As conchas do molusco, no entanto, eram vistas como lixo. Ressignificar era urgente. “Essas comunidades que vivem às margens da Lagoa Mundaú, elas vivem abaixo da linha da miséria, numa situação muito precária. Fora isso, tem a questão do resíduo que tem que ser retirado semanalmente para ir pra um aterro. E neste contexto que fomos chamados, para pensar nessa cadeia circular, como a partir do design poderíamos trazer melhoria da qualidade de vida para essa comunidade, e despertá-la para a oportunidade de usar isso, de entender que a concha não é um resíduo”, conta Rosenbaum.
Logo no início do projeto, ele convidou o designer alagoano Rodrigo Ambrosio, com quem já havia trabalhado também no projeto A Gente Transforma. “A gente entendeu que seria importante ter esse braço, além de todo o potencial e a troca criativa com ele”, diz Marcelo.
O primeiro passo foi fazer uma “investigação afetiva para encontrar quais são os talentos e o que existe de saber e de valor nesta comunidade, que aparentemente está neste contexto de margem, mas sabemos que o conhecimento está em qualquer ser humano – todo mundo tem saber”, pondera Rosenbaum. Era preciso “entender como funcionava a mecânica da comunidade e fazer com que eles percebessem o valor que tinham ali, de várias maneiras: valor natural, valor cultural”, conta Rodrigo. Assim surgiu a ideia de um festival criativo criado pelas lideranças da própria comunidade: “foi um festival do Mundaú para o Mundaú, onde as seis lideranças começaram a lembrar quem são os grupos artísticos, quais são as manifestações culturais que existem no local e convidaram essas pessoas para se apresentar”, lembra Rosenbaum.
Neste processo, conheceram o artesão Itamácio dos Santos, que fazia vasos de cimento – localmente chamados de caqueiras – com uma técnica muito peculiar, criada por ele, com uma contraforma de areia. “Propusemos a ele incluir a concha na massa e começamos a pensar em uma coleção”, relata Ambrosio. “Ele assimilou isso, começamos a fazer experiências e nós o convidamos para fazer o trabalho de facilitação desse workshop, já fortalecendo o vinculo dele com a comunidade, fortalecendo o saber dele, valorizando esse saber para a própria comunidade”, completa Marcelo. A partir daí, surgiram diferentes desdobramentos – três deles já foram lançados e outros ainda virão – que tiram partido do efeito iridescente da concha do sururu e provam, sem sombra de dúvida, que não se trata de um material qualquer.
O resultado é um impacto social muito positivo para a comunidade, em vários aspectos, desde a valorização de seu próprio contexto cultural até a melhoria da qualidade de vida. “É preciso entender o quanto o nosso consumo também é um ato político – não que você vá comprar o produto apenas para ajudar, ao contrário. É um item de design, uma peça de qualidade, que conseguiu um resultado estético bem interessante, com as conchas”, reflete Rosenbaum.
Cobogó Mundaú
Com um desenho que remete à concha do sururu (no espaço vazio), o cobogó utiliza 70% de conchas do molusco trituradas em sua composição. Utilizado na loja da FARM em Miami, projetada por Rosenbaum, o cobogó despertou a atenção do Portobello Grupo – apresentado pela Pointer, uma das empresas do grupo, na última Expo Revestir, o elemento vazado está em estágio final de desenvolvimento e será distribuído e comercializado nas franquias Portobello Shop em todo o Brasil até o final do ano. A produção – que inicialmente será de 2 mil peças por mês – continuará sendo feita de forma artesanal na comunidade.
Revestimento Sururu Ibratin
No mercado desde dezembro de 2019, a texturas produzidas pela Ibratin, empresa com fábrica em Maceió, também incorporam as conchas de sururu. São três padrões: Sururu, Sururu Rústico e Sururu Projetado. Nas imagens acima, o padrão Sururu aplicado no restaurante do hotel Ponta Verde, em Maceió (fotos Thiago Sobral).
Arandelas Sururu
Surgidas no mesmo processo de imersão e oficina criativa junto às comunidades de Vergel do Lago, as arandelas possuem dois formatos. Seu desenho remete à concha do sururu, e os pontos de onde saem as lâmpadas seriam as “cracas” que grudam nas conchas. As peças já estão sendo comercializadas pela La Lampe.
Essa história, lindamente redigida aqui, é um dos grandes exemplos de como toda uma indústria tem a possibilidade de se movimentar para aprofundar suas relações com nosso país e, principalmente, reconhecer o valor quase-incontável que reside nos saberes de cada vilarejo brasileiro.
Falou e disse, Marcelo! Obrigada pela visita e por comentar! 🙂
Gosteimuitíssimo do tema. Faç umestudo aqui na minha região , no Guarujâ , onde temos problemas similares na Pouca Farinha , um vilarejo no mangue e sem saneamento básico
Arq. Valeria Serápics
Maravilhoso!!! Parabéns a todos envolvidos nessa jornada! Resultado espetacular!!! E o compromisso com as comunidades é a parte mais importante de todo esse processo!