Not Compromised e o design que transforma matéria, resíduos e futuros

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Você já parou pra pensar que tudo — absolutamente tudo, até cocô de elefante — tem potencial de se transformar em matéria-prima? Pois o arquiteto tailandês Boonserm Premthada pensou. E por meio da experimentação (sempre ela!), transformou as fezes do paquiderme em material para bancos esculturais — e também para uma instalação na Bienal de Arquitetura de Veneza.

Exposta atualmente no Arsenale, a instalação Elephant Chapel é feita com mais de 4.200 tijolos produzidos a partir de esterco de elefante, areia e fibras naturais. A obra recebeu menção especial do júri por seu uso exemplar de biomateriais e sua comunhão com a natureza.

“Projetos como a Elephant Chapel, que usa esterco de elefante para criar tijolos, redefinem o que é possível, transformando resíduos da natureza em recurso para construção”, afirma Carlo Ratti, curador da Bienal.

Mas por que, afinal, esterco de elefante? Premthada aponta três razões. A primeira é cultural: os elefantes são parte fundamental da história e da identidade tailandesa, mas há décadas vêm sendo explorados – e seu trabalho propõe uma convivência mais respeitosa. A segunda é ambiental: o esterco é abundante, biodegradável e naturalmente fibroso, tanto que já é usado há muito tempo na fabricação de papel artesanal por lá. E, por fim, há uma motivação filosófica: sua arquitetura defende uma postura de escuta e humildade diante da natureza – e, nesse contexto, até o que parece rejeito pode ser fonte de valor.

Esse mesmo pensamento já havia ganhado forma no ano passado, com os bancos Elephant Footprint, desenvolvidos por Premthada a convite do projeto Not Compromised. Feitos inicialmente com uma mistura de esterco de elefante, conchas e areia tingida com raízes, cascas de árvore, folhas e outros pigmentos naturais, os assentos eram um convite à contemplação e à reconexão com o natural.

Por trás dessa iniciativa está o casal Birgit Lohmann e Massimo Mini, designers com 35 anos de experiência em projetos e desenvolvimento — primeiro no Centro Ricerca Cassina, depois em colaborações com nomes icônicos do design mundial, como Enzo Mari, Vico Magistretti, Dieter Rams, Bruno Munari, Achille Castiglioni e Andrea Branzi, além da direção de arte da De Padova, só para citar uma parte do percurso da dupla. eles também fundaram o portal Designboom, que lideraram por 25 anos. “Not Compromised leva essa experiência prática adiante e, junto com nosso filho, Pietro Mini, assumimos uma posição ainda mais radical. O objetivo é destacar a qualidade inegociável e o espírito social dos produtos”, aponta Birgit.

A própria trajetória de Premthada dialoga profundamente com esses princípios. Nascido em uma favela nos arredores de Bangkok, cresceu em uma comunidade que vive em contato direto com elefantes — e desde jovem aprendeu a preservar, consertar e reaproveitar, em vez de desperdiçar. Nesse microcosmo, o descarte é mínimo e o cotidiano já carrega, de forma quase inconsciente, modelos sociais que subvertem a lógica do consumo. Daí sua determinação em sublimar o que sempre foi considerado o mais sujo dos resíduos — e torná-lo, ao contrário, algo desejável.

É importante dizer que o esterco de elefante não é um material replicável globalmente — e nem seria coerente pensar no transporte de tijolos pesados como solução sustentável. Por isso, a collab com Not Compromised gerou diferentes desdobramentos, como revela Birgit: “A colaboração com o arquiteto tailandês culmina em um produto que não utiliza esterco de elefante. A versão do início de 2024, totalmente feita de tijolos de esterco curado, e a versão mista do início de 2025 (que usa um mix de esterco e madeira), foram pensadas principalmente para aplicações locais tailandesas, a fim de apoiar a economia local. A nova versão final (em três opções de materiais mistos) ainda evoca o espírito do elefante e é feita de madeira e papel prensado, madeira e cerâmica, madeira e couro. A produção começará ainda em 2025”.

Toda essa história é um belo convite pra repensarmos os materiais que usamos e as relações que queremos ter com o mundo à nossa volta.

Fotos: divulgação Not Compromised

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