Desamparo: beleza que nasce da ausência na nova coleção de Anna Machado

Tempo de leitura: 4 minutos

Existe uma sensação que quem já sentiu, sabe: a de cair – e ninguém te pegar. Estar só no mundo, sem amparo, sem rede. Para uns, essa sensação vem e vai. Para outros, ela se instala como uma presença constante, como um lugar de onde não se consegue sair. Pois foi justamente desse lugar que nasceu Desamparo, a nova coleção do Studio Anna Machado.

Filha de um luto vivido desde os três anos de idade, quando perdeu a mãe de forma trágica, Anna cresceu tentando dar nome e sentido a esse vazio. E foi justamente na prática do fazer, no entrelaçar da memória com a matéria, que encontrou espaço para transformar o desamparo em poesia.

Na impressão 3D, cada camada se apoia na anterior. Se o suporte não está lá, a matéria se deforma, colapsa. E foi exatamente nesse ponto de falha que Anna decidiu trabalhar. Retirar o suporte e aceitar a queda, “aceitar o colapso como gesto estético”, nas suas palavras.

Por dois anos, ela mergulhou em testes: foram 54 desenhos de vasos e 7 de luminárias, buscando entender até onde o material suportava o desamparo antes de se desmanchar no ar. O que surgiu é uma linguagem que mistura controle e acaso: linhas que caem, fios que se entrelaçam, tramas que parecem construídas à mão – mas que, na verdade, só podem existir porque foram feitas pela máquina. Uma costura de códigos, matéria e memória.

Paradoxalmente, essa estética tão tecnológica leva a artista de volta às mãos da avó – e ao crochê que ela fazia. “Ao som do fio passando pela agulha. Ao silêncio de observar o crochê crescendo em seu colo. Ao aprendizado de que até o erro pode ser bonito – e que o desamparo, quando nomeado, pode virar forma”, conta.

As peças são impressas em PLA, um polímero derivado da fermentação de vegetais ricos em amido, como milho, beterraba e mandioca. Ou seja, um material de fonte renovável e biodegradável. Extremamente leves, as peças são também resistentes, desde que não sejam expostas ao calor excessivo.

Três dos modelos foram projetados com o mesmo diâmetro, para poderem ser empilhados, criando totens nos quais uma peça ampara a outra. Uma imagem bonita, quase terapêutica, ilustrando que até o desamparo pode encontrar sustentação.

Além dos vasos, a coleção traz luminárias nas quais o jogo de tramas e vazios cria efeitos delicados quando atravessados pela luz, projetando sombras rendadas no espaço, como se a própria ausência – o próprio desamparo – ganhasse corpo, textura e beleza.

No fim das contas, Desamparo fala sobre aceitar aquilo que não se controla. Sobre entender que até o erro é capaz de conter beleza. E que, quando nomeado, o vazio pode virar matéria, pode virar forma. Pode, quem sabe, até virar abrigo.

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.