A primeira casa crowdsourced do Brasil está prestes a se concretizar. Ontem, em Milão, eu e outros jornalistas pudemos conhecer o projeto da NO.V.A. (sigla para Nós Vivemos o Amanhã), uma iniciativa da Enel Brasil – subsidiária do grupo Enel que atua com geração e distribuição de energia em quatro estados brasileiros: Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Sul e Goiás.
Cerca de 4 mil ideias recolhidas por meio do site www.nosvivemosoamanha.com.br forneceram inputs preciosos ao arquiteto Arthur Casas e sua equipe para o desenvolvimento do projeto arquitetônico da casa, que será construída em Niterói, RJ, a partir de novembro e deverá estar concluída antes do início das Olimpíadas 2016.
“A economia colaborativa (que compartilha carros e casas, por exemplo) vai chegar e causar uma grande transformação em nossos negócios, e temos que ser capazes de nos adaptarmos. Mas a forma de se adaptar não é apenas através da tecnologia – é fundamental estarmos por dentro da vida de nossos consumidores para entregar um produto e um serviço que resolva um problema real deles, e não o que nós cremos que seja um problema”, analisa Marcelo Llévenes, responsável pela Enel Brasil.
Por isso o uso do crowdsourcing é visto pela empresa como uma ferramenta essencial, tendo se refletido não só na aplicação de tecnologias na casa, mas também influindo diretamente na concepção da planta – dois exemplos: um quarto com acesso independente (acima), destinado a aluguel por meios como o Air BnB, e um espaço destinado a co-working, também independente da residência.
O caráter eco-friendly, claro, é outro aspecto importante do projeto: “A casa do futuro tem que obedecer completamente a questão da natureza local, o que o terreno e a localização impõem”, pondera Arthur Casas. Assim, a NO.V.A. é composta de uma série de módulos pré-fabricados independentes – que reduzem o tempo de construção e o uso de água, por exemplo, em sua fabricação –, interligados por uma cobertura plana de madeira laminada colada\. Os pilares, metálicos, podem ser reaproveitados no futuro e o piso é feito de concreto reciclado. O formato da cobertura, feita de madeira laminada colada com certificação FSC, foi definido para preservar as árvores preexistentes no terreno. Ao final, a construção de 375 m2 deverá reduzir em até 85% o volume de resíduos e em 80% a emissão de CO2 em relação a uma casa convencional do mesmo tamanho.
Vale notar que a casa recupera várias soluções de baixa tecnologia, “presentes na arquitetura vernacular, mas que a casa brasileira foi perdendo com o tempo, como o piso suspenso, a varanda e a ventilação cruzada”, conta Arthur. No fim, estima-se que em 70% do tempo seja possível dispensar o uso do ar-condicionado, graças a recursos como estes.
Logicamente, a “casa do futuro” também terá a aplicação de novas tecnologias em vários pontos. Dentre eles, vale destacar:
• uma estação meteorológica, que será instalada na cobertura, fará com que a casa se abra e se feche automaticamente para ajudar a regular seu clima;
• sensores e equipamentos de controle remoto permitirão que as janelas se fechem quando a chuva se aproxima ou que os bombeiros sejam alertados se o sistema detectar um princípio de incêndio;
• também na cobertura, painéis solares receberão a companhia de pequenas turbinas eólicas, o que fará com que a casa gere pelo menos 105% da energia que ela consome. “A ideia é que a energia que esteja sobrando seja utilizada para abastecer um carro elétrico, por exemplo, ou volte para a rede”, explica Arthur;
• um mecanismo no piso converterá os passos dos moradores em energia;
• um biodigestor vai gerar energia (gás) e fertilizante líquido a partir do lixo orgânico;
• refrigeração geotérmica: 20 m abaixo do solo, a temperatura constante é de 16 graus – uma serpentina será enterrada nesta cota e depois seguerá para a casa, contribuindo para refrigerá-la;
• reuso de água da chuva: a casa será autossuficiente no uso de água
• análise de saúde – um espelho projeta itens como os batimentos cardíacos, a pressão arterial e a temperatura do corpo;
• glass TV: televisão “transparente”, embutida no vidro;
• food scan: análise instantânea dos alimentos revela dados como calorias e nutrientes;
• janelas com vidros autolimpantes vão escurecer ou clarear de acordo com a intensidade do sol
A NO.V.A. será a primeira construção na América do Sul a concorrer ao Living Building Challenge (LBC), rigoroso selo internacional que certifica edificações que operam de forma limpa e responsável com o meio ambiente. “Estou bem satisfeito com o resultado final, pois acho que este projeto conseguiu unir a necessidade atual de uma família com a necessidade atual do mundo em relação à sustentabilidade e à natureza”, diz Arthur Casas. O projeto conta, ainda, com dois outros nomes de peso: Maneco Quinderé cuidará da iluminação e o paisagismo será desenvolvido por Luiz Carlos Orsini, que utilizará espécies nativas da mata atlântica.
Em meados de 2016, quando a obra estiver concluída, a casa será habitada por uma família, funcionando como uma espécie de laboratório. “Precisamos entender como será a relação dos nossos clientes com o consumo de energia no futuro. Vamos usar as respostas de quem for morar na casa para aprender mais sobre como as tecnologias inovadoras que estão disponíveis atualmente podem ser usadas para servir às pessoas. Nós também teremos a oportunidade de testar soluções que ainda não estão no mercado. Este é um projeto muito emocionante”, comemora Marcelo Llévenes.