“A gente está contando uma história nesse espaço, que é sobre o tempo”. A fala é da arquiteta Mariana Schmidt durante a conversa que tivemos sobre o Dois Trópicos, empreendimento que mescla botânica, comida consciente, prática de yoga e autocuidado, inaugurado recentemente em São Paulo.
A arquitetura criada pelo MNMA Studio, de Mariana e André Pepato, tem na tijolaria artesanal uma de suas principais matérias-primas. “E o tijolo é isso”, continua, se referindo ao tempo: “Toda a tijolaria foi feita artesanalmente e demora uns 40, 50 dias para curar. O cliente nos deu essa oportunidade de trabalhar assim”.
Os clientes, no caso, são a chef Carolina von Atzingen e o apaixonado por botânica Fernando Werney, sócios nesta empreitada. Um projeto comercial que, como define Mariana, “cria uma experiência de receber em casa com a nostalgia do tempo, usando matéria natural, o processo humano, a condução na escala artesã com uma narrativa de uma arquitetura feita para não ser perfeita, e sim possível”.
Em consonância com essa filosofia, os arquitetos decidiram abrir mão da massa corrida e da pintura no acabamento das paredes, e optaram pelo uso da terra projetada. “A ideia inicial era fazer tudo de adobe”, conta Mariana, que nutre grande admiração pela arquitetura vernacular. “A gente acredita muito em ressignificar o olhar para o material. Investimos sempre em pesquisa de materiais e a releitura de materiais antigos reverbera cada vez mais nos nossos projetos”, completa.
Wabi-sabi
O uso da terra também tem outra conotação além das já citadas, como explica Mariana: “O material precisa respirar. Ele precisa saber envelhecer. As pessoas não aceitam o processo de algo envelhecer. Eu acho muito bonito fazer um projeto em que vai existir beleza nesse envelhecimento, acho que com o passar do tempo vai ficar mais bonito ainda do que está agora, e isso tem muito a ver com a proposta do negócio deles”.
“A meu ver, as pequenas imperfeições são uma qualidade deste espaço: as pessoas enxergam o artesanal, a marca da mão humana”. A escada espiral, por exemplo, foi feita com ripas da sobra de madeira da própria demolição – o projeto é a reforma de uma casa, que foi parcialmente demolida para se transformar no espaço de 800 m2 – e a abertura redonda também teve a forma toda cortada manualmente na obra.
“Gosto muito do que a Lina dizia, que o melhor escritório é o canteiro de obra. A interface com o corpo de obra é muito rica, porque você aprende muito mais com o artesão, o pedreiro, do que dentro do escritório – eles têm um conhecimento empírico muito grande.”
Yin/Yang
Em contraponto a toda essa atmosfera natural está a fachada “extremamente calculada, desenhada e desenvolvida para seguir o traço, com policarbonato, material tecnológico, reciclável, pensado para eficiência da luz, com as aberturas de tal forma a não precisar de ventilação mecânica ou ar condicionado. A ideia era provocar a cidade com um elemento contemporâneo que quando aberto trouxesse o reencontro ao passado, as técnicas ancestrais de construção e uma sensação de espaço/tempo terroso, moroso, ‘em casa’”, conta Mariana. E finaliza: “Para nós, esse é o futuro de se projetar na arquitetura: trazer materiais locais e mão de obra local, mas estar de mãos dadas com a tecnologia”. Que assim seja!
Detalhe: boa parte dos vasos (como estes da foto acima) foi garimpada pela equipe do MNMA – fazem parte de um lote que estava enterrado há mais de 30 anos!
(Fotos: André Klotz / Produção: Michell Lott)
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