“O design tem que ser aquilo que é: uma profissão séria onde se pode fazer cultura também fazendo inovação”. A frase é de Ferruccio Laviani, designer italiano de forte atuação junto à indústria de seu país – seus produtos integram o portfolio de marcas do calibre da Kartell (empresa da qual é diretor de arte desde 1991), Foscarini, Bisazza, Moroso, Poltrona Frau, FontanaArte, Richard Ginori e Laufen, só pra citar algumas.
Aproveitei a passagem de Ferruccio por São Paulo na semana passada (ele veio para palestrar na Expo Revestir) para bater um papo com essa figura sempre tão criativa e interessante. Lógico que, às vésperas da semana de design de Milão, ele está a todo vapor – já que, além de cuidar de tudo relativo à Kartell, está desenvolvendo produtos e cenografias para diferentes empresas. Mas sobre os produtos a serem lançados em Milão, falarei na minha cobertura da feira e do fuorisalone. Neste post, vou focar em três pontos que Ferruccio abordou em nossa conversa e que, na minha opinião, contribuem para discussões super relevantes sobre o design contemporâneo.
1. “É possível se fazer cultura com um produto industrial, não só com design de coleção.”
Para comemorar os 70 anos da Kartell, Ferruccio idealizou a exposição “The art side of Kartell”, na qual divide a curadoria com Rita Selvaggio. A mostra, a ser realizada no Palazzo Reale de 10 de abril a 12 de maio, estabelece diálogos entre produtos da Kartell e obras de arte. “A Kartell, no início, olhou bastante para a arte para desenvolver sua iconografia do produtos, e depois ficou tão famosa que os artistas começaram a pegar Kartell para fazer produtos de arte. Essa história que tem 70 anos é muito importante também para compreender o desenvolvimento da sociedade, não só da italiana, mas geral”, fala.
“Essa exposição vai servir para mostrar que também é possível se fazer cultura com um produto industrial, não só com design de coleção. A arte pode ser amarrada a um produto industrial, não é preciso ter vergonha porque um produto é produzido em série. Pelo contrário, tem que tentar colocar uma mensagem no produto. Eu acho, por exemplo, que o grande sucesso dos conteiners da Anna Castelli Ferrieri é porque eles nasceram nos anos 1960, quando o costume de morar na casa mudou completamente, isso era representativo de uma forma plástica que era amarrada à arte e também a uma forma nova de viver a casa, e tudo isso tinha uma linguagem única e foi feito com um produto industrial. E é por isso que depois de 50 anos é ainda o best seller da Kartell. Acho que essa é a mensagem mais importante da exposição, e dessa celebração.”
2. “Um produto pode ter muita personalidade sendo simples. A simplicidade é uma característica extraordinária.”
Para ilustrar, falou da luminaria Tobia, a ser lançada em abril na Euroluce pela Foscarini, composta simplesmente por um tubo metálico dobrado que faz a empunhadura e também a base da luminária. “Essa luminária muda de caráter conforme as cores. Por agora, serão apenas branco e preto e duas cores fluorescentes, laranja e amarelo”.
3. Não é preciso “inundar” o mercado com milhões de produtos para se fazer business. Que tal menos produtos, melhores, e com materiais amigáveis?
“Acredito que, com o aumento do consumismo, perdemos um pouco, nos últimos 20 anos, a ideia da qualidade do produto. Acho que se você faz um bom produto ele pode ter uma vida legal, de 10, 15, 20 anos. Se eu for pegar o exemplo da Kartell, é lógico que depois a moda, o gosto da gente muda, mas a Bourgie, por exemplo, ainda é um produto que, depois de 15 anos, se coloca na loja e vende. Lógico que a gente quer coisas novas, você tem que apaixonar as pessoas, mas eu acho que a empresa tem que cuidar um pouco mais e dar mais valor às coisas. É uma questão de como veicular esses produtos, também. Inventar uma maneira nova de comunicar esses produtos para que não tenha que ser uma loucura por coisas novas sempre. Mas não acho que é introduzir cada vez milhões de coisas novas que vai mudar alguma coisa.
Também tem uma questão ética que antes a gente não tinha. Bom, quando eu era pequeno todo mundo fumava no ônibus ou no bar, depois a gente para e pensa que está melhor assim. Não é culpa de ninguém, entende? A gente muda, adquire uma consciência diferente de antes, então também existe uma ética que o produto descartável tende a sumir, ou pode ser feito de uma outra maneira. No caso da Kartell, lógico que a gente está desenvolvendo pesquisas com o bioplástico, pois este será o futuro. Eu nem estou culpando o plástico normal – acho que tudo depende de como o plástico normal é usado, não é a garrafa PET que você usa uma vez e joga fora: o mobiliário de plástico é feito para durar. Lógico que o bioplástico vai ser sempre melhor [para o ambiente] do que o plástico que vem do refinamento do petróleo, mas o problema do bioplástico em relação ao plástico tradicional é que, sendo um material natural, às vezes tem falhas químicas na composição da matéria. Então a Kartell não pode sair com uma cadeira, por exemplo, que depois de dois dias estará quebrada porque o material não está OK. Há mais de dois anos que estamos desenvolvendo esses estudos, ainda não sei se vai sair esse ano no mercado, talvez esse ano a gente apresente os conteiners da Anna Castelli Ferrieri em bioplástico (porque nesse caso não existe um problema estático estrutural como teria uma cadeira, que sofre torção).”