Quem acompanha o Design do Bom deve ter percebido que o artesanato tem sido um tema cada vez mais tratado por aqui e esse é um motivo a se comemorar. Comemorar porque a sinergia entre design e artesanato tem dado bons frutos, enaltecendo estes saberes ancestrais e ajudando na sua preservação, ao melhorar a vida dos artesãos e fortalecer sua autoestima com este trabalho.
Pois a coleção Alagoas Feita à Mão, tema deste post, é um mais exemplo dessa feliz parceria. A convite do governo do Estado, Rodrigo Ambrosio desenvolveu seis produtos para serem presentes governamentais oficiais. A ideia, conta Rodrigo, era fazer “um recorte da variedade criativa e dos inúmeros saberes enraizados por aqui”, e buscar a “essência do feito à mão alagoano”. Para tanto, o designer viajou o estado todo, do litoral ao sertão, percorrendo grande parte de seus cento e dois municípios. Foi um trabalho desenvolvido ao longo de dois anos, do início de 2016 ao final de 2017.
Essa iniciativa se mostra ainda mais importante quando se leva em conta a relevância do artesanato no contexto econômico de Alagoas: segundo dados da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Turismo, o estado conta com 13.300 artesãos cadastrados no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro – e destes, mais de cerca de 60% vivem somente da produção artesanal. Mais do que criar uma demanda de trabalho com a encomenda dos presentes governamentais (que serão adquiridos em lotes de 100 peças de cada modelo, diretamente dos artesãos), a ideia do projeto é também capacitar os artesãos para ideias inovadoras: “a gente conseguiu abrir um pouco a cabeça dos artesãos que participaram para fazerem parcerias entre si, para pensar em novos caminhos para o artesanato contemporâneo”, pontua Rodrigo.
A ideia era que cada peça fizesse a associação entre duas técnicas e duas comunidades distintas, resultando num objeto contemporâneo e diverso. “Foram escolhidas uma dúzia de tipologias artesanais encontradas em doze municípios alagoanos. A partir de uma investigação profunda e da interação direta com os artesãos locais foram cocriados objetos utilitários que unem sempre a riqueza de duas artesanias distintas, resultando em uma coleção de seis peças”, explica Rodrigo. “Cada tipologia vem de uma comunidade diferente, mas isso não quer dizer que aquela tipologia só existe naquela comunidade. E também existem comunidades que são muito ricas, mas tivemos que escolher uma única técnica para representar o município”, completa.
No fim, o resultado são objetos de mesa e luminárias que revelam influências indígenas (na cestaria de taboa, Ouricuri e talo do coqueiro), portuguesa (rendados e bordados) e negra (cerâmica, principalmente), conta Rodrigo. “Nestes núcleos eu fui investigando e trazendo, tentando fazer essas conexões entre um e outro, essas fusões, sem interferir na base do fazer de cada grupo, mas sempre olhando, enxergando para outros caminhos. Cada peça, em si, não tem grandes dificultadores, já é mais ou menos o que eles faziam. A diferença nesse projeto é quando há a união [de técnicas e saberes diferentes]. E para usos diferentes. Aí você tem uma nova tipologia. Eu não quis descaracterizar em nada a base que eles tinham. Por isso que eu falo que é uma cocriação, porque eu tinha que entender a base conceitual e criativa que eles já tinham.”
Assim, a argila da Barra de Santo Antônio uniu-se ao talo de coqueiro de São Miguel dos Milagres. A palha de ouricuri de Coruripe combinou-se ao couro de tilápia de Piranhas. O ferro de Palmeira dos Índios somou-se à fibra de bananeira de Atalaia. O cipó de Água Branca fez par com o bordado ponto cheio de Penedo. O coco de Maragogi se associou à rede do bordado filé de Marechal Deodoro. E, por fim, a madeira de Maceió aliou-se à fibra de taboa de Feliz Deserto. “É Alagoas feita de memória, mistura e autoestima”, comemora Rodrigo.
A seguir, os seis exemplares da coleção:
Luminária que alude às lamparinas e aos castiçais individuais das procissões de interior. A peça une o barro torneado aos talos tramados de palha de coqueiro em cordão encantado, com base em forma de cabaça e cúpula em forma de covo que irradia luz indireta
Suporte para mesa que leva este nome pois remete às urupemas indígenas encontradas na região. Assim como as antigas ânforas gregas, as alças, em couro de tilápia, facilitam o transporte do cesto, que valoriza os vazados da cestaria em palha de ouricuri
O abajur Caeté é um cocar que nasce da repetição das hastes em ferro reciclado recoberto por pequenos brises móveis feitos em papel de bananeira. Os pequenos envelopes manipuláveis conferem aspecto cinético à peça, o que facilita controle da luminosidade
Porta-pão em cipó com pano bordado destacável. No centro, lê-se a frase criada – “dos olhos de iati brota opará, cercado de fé, eis o rio, as águas, a foz, a maré”, que narra a lenda da criação do Rio São Francisco, contada e perpetuada por seus primeiros habitantes
Luminária de mesa que “dança” no ritmo do Filé. Possui base arredondada em cuia de coco com baixo centro de gravidade, o que permite a estabilidade do objeto. Além de criarem sombras cênicas, as duas tramas fixas da cúpula são maleáveis e possibilitam diferentes configurações
O porta-objetos é uma bombonière elevada por meças de madeira inspiradas nos pendões que contêm as sementes da taboa, planta herbácea e perene encontrada nos brejos alagoanos, com maior incidência no litoral sul. Quando seca, a fibra é trançada e costurada em forma de cesto