Mentes brilhantes compartilhando experiências e projetos inspiradores. Assim foi o primeiro dia do Design Indaba 2014, e assim promete ser o resto do evento idealizado por Ravi Naidoo. No idioma Zulu, Indaba significa um encontro de pessoas para discutir um assunto importante – e o tal assunto, neste caso, é o design. Para tanto, há 20 anos Naidoo convoca uma série de profissionais fora da curva, de vários setores: publicitários, arquitetos, designers de produto, designers de mídia e interação, designers gráficos, cientistas de computação e até chefs de cozinha já participaram do famoso seminário, que atrai público do mundo inteiro à Cidade do Cabo. “Uma semana de Design Indaba nos recarrega para as outras 51 semanas seguintes”, afirmou Ravi durante o jantar de abertura. É fácil acreditar – veja por quê.
O dia já começou muito bem, com a apresentação de um talento local, o publicitário Chris Gotz, Chief Creative Officer da Ogilvy & Matter Cape Town, que mostrou que, sim, é possível fazer uma campanha publicitária de cerveja sem apelar para os chavões tão batidos de mulheres e futebol. Aliás, futebol sim, mas de uma forma totalmente fresh. Chris e sua equipe criaram uma ação batizada de Be The Coach, na qual os consumidores de uma marca de cerveja votavam, usando um código que vinha na embalagem dos produtos, na escalação do time de futebol escolhido por eles, e poderiam interferir, via celular, até mesmo na substituição de jogadores na hora do jogo.
Para Gotz, “uma postura inocente e curiosa pode abrir novas formas de se ver as coisas e novas possibilidades. Funciona para mim”, provocou o publicitário.
Também merece destaque a palestra do designer de mídia e interação norte-americano Jake Barton, que fez um paralelo interessante entre a comédia de improviso e o design, afirmando que este pode se inspirar naquela, que é, por definição, uma forma de se “criar a partir do mínimo existente e pensando que não há erros, somente oportunidades”. Barton apresentou, entre outros projetos, a Gallery One, um trabalho belíssimo feito para o Cleveland Museum of Art, no qual propõe uma relação completamente diferente dos visitantes com as obras, desde a busca no acervo, que pode acontecer por critérios mais lúdicos (mais detalhes aqui), até a própria interação com as obras – em um dos casos, o visitante passa por uma espécie de “jogo” no qual vai tentar reproduzir a pose exata de alguma estátua; em outro, os visitantes são convidados a fazerem caras e caretas e, por meio de reconhecimento facial, uma peça do acervo do museu que contenha aquela expressão é mostrada ao visitante. “É uma forma de criar uma conexão emocional com o público”, explicou Barton na palestra. A experiência, sem dúvida, fica muito mais rica e ficará na memória por mais tempo. “É preciso inovação com um objetivo”, provoca ele, dizendo que a inovação tecnológica por si só não faz sentido, ela tem de servir a um fim. E, para tanto, cita um ditado antigo, atribuído a Confúcio: “Se eu escuto, esqueço; se eu vejo, eu lembro; se eu faço, eu entendo.”
O especialista em branding Ije Nwokorie, por sua vez, advogou a favor da desordem/bagunça (mess). Nascido nos Estados Unidos, criado na Nigéria e hoje radicado na Inglaterra, Ije afirmou, entre outras coisas, que “o lugar onde as coisas são criadas é tão importante quanto aquilo que é criado lá e geralmente quanto mais bagunçado, melhor. As mesas de trabalho das pessoas têm que ser bagunçadas, uma manifestação delas mesmas”. Também falou da importância de se encorajar as pessoas a quebrar as regras e fazer algo diferente. Dentre os vários projetos mostrados, destaca-se a Little Sun, descrita como “uma obra de arte pensada para a vida”. Trata-se de uma lâmpada com bateria solar, criada pelo artista Olafur Eliasson e o engenheiro Frederirik Ottesen para levar luz a comunidades carentes – por incrível que possa parecer, cerca de 1.6 bilhão de pessoas vivem hoje sem acesso a energia elétrica.
No momento Pecha Kucha, sete jovens recém-formados ou prestes a terminar a faculdade apresentaram suas criações. Destaque para o designer industrial Ian Murchison, formado pela Carleton University, que, entre outros projetos, apresentou o conjunto de facas Maple Set, o qual exemplifica o trato não-usual que dá aos materiais. A peça foi premiada com o Red Dot Award em 2013. Dave Hakkens, da Design Academy Eindhoven, depois de mostrar projetos bem autorais (como um lápis comestível, sabor menta) apresentou o Phoneblocks, um telefone celular modular customizável. A ideia é que tenhamos um telefone que valha a pena manter por mais tempo, já que se adapta às nossas necessidades. Joy Mckinney, da ParsonsThe New Schoolfor Design, falou sobre a pesquisa que começou a desenvolver quando se mudou do interior dos Estados Unidos para Nova York. Ao se sentir ameaçada pela cidade, Joy optou por reagir a partir da arte: criou o projeto The Guardian, no qual tocava pessoas desconhecidas na rua e as retratava. De personalidade introvertida, a fotógrafa saiu de sua zona de conforto e isso lhe ajudou a entender melhor a cidade.
O inglês Tom Hulme, Design Directordo IDEO de Londres, foi o penúltimo a se apresentar e enfatizou a importância da colaboração – “nós conseguimos mais por meio dela”, disse – e falou sobre o uso da tecnologia como ferramenta de design, provocando: “as pessoas dizem que a tecnologia está destruindo o mundo e que está nos tornando antissociais. Nada disso: a tecnologia é só uma ferramenta”. Nisso, mostra uma foto de meados do séc. 20, com um ônibus cheio de pessoas lendo o jornal.
O designer Thomas Heatherwick encerrou o dia com chave de ouro. O britânico falou sobre diversos projetos, dentre eles a pira olímpica criada para Londres (2012), o novo ônibus de dois andares londrino e o pavilhão da Expo 2010, realizada em Xangai. Mas o mais interessante mesmo foram os projetos em andamento, a começar pelo Learning Hub, edifício criado para uma universidade em Singapura todo pensado para valorizar as interações entre os alunos (sem corredores nem cantos nas salas, o prédio inteiro se volta a um mezanino central). Também merece destaque a Garden Bridge, um jardim linear sobre o Tâmisa, que ligará as margens norte e sul do rio, com agradáveis espaços de estar. Mas o melhor ficou para o final: Heatherwick mostrou o até então inédito projeto do MOCAA, primeiro museu de arte africana contemporânea, que irá revitalizar um antigo silo instalado no V&A Waterfront, um dos pontos mais privilegiados da Cidade do Cabo. Nele, Thomas propõe a abertura de algumas janelas e claraboias na parede superior, que transformam a aparência do edifício, mas sem descaracterizá-lo. O mais surpreendente, no entanto, é o que acontecerá no interior: o miolo do edifício será escavado em curvas orgânicas, baseadas na forma de um grão de milho – grão armazenado no silo, quando estava em atividade. Depois dessa, só mesmo aplaudindo de pé, como fizeram as cerca de 2 mil pessoas que lotavam o auditório do Cape Town International Convention Centre.