Há alguns dias, estivemos (eu e outros jornalistas convidados) no estúdio de Fernando e Humberto Campana, por um motivo muito especial: celebrar os 35 anos da parceria criativa entre os irmãos. Fiquei super feliz de poder participar deste momento, especialmente porque acompanho de perto a carreira deles há quase 20 anos, desde que comecei a trabalhar como jornalista de design com Maria Helena Estrada (1935-2018), uma das grandes incentivadoras da dupla e responsável, junto ao crítico italiano Marco Romanelli, por apresentar seu trabalho ao mercado daquele país – foi a partir da Itália, afinal, que os Campana ganharam o mundo.
Pensei, então, em fazer esse post como uma singela homenagem e também para mostrar produtos ou projetos menos conhecidos claro que alguns dos mais icônicos também estão nesta seleção não pude evitar – hehe. Um mix que mostra todo o poder criativo dos Campana. Que venham muitos anos mais!
1. Humberto (esq.) e Fernando crianças
A infância e a adolescência em Brotas (SP) é, até hoje, uma das referências na criação da dupla.
2. Fernando (esq.) e Humberto dividem o mesmo paletó
Divertida, a foto faz uma alusão à simbiose criativa dos irmãos, mas também pode ser vista como uma brincadeira com a frequente confusão por parte do público até um tempinho atrás: são gêmeos? Quem é quem? Fernando é o da esquerda, Humberto o da direita. (Foto: Vavá Ribeiro/divulgação)
3. Cadeira Martelo (1989)
Em 1989, a galeria Nucleon 8, em São Paulo, inaugurava a exposição Desconfortáveis, primeira exposição da obra dos irmãos. “Sofás e cadeiras oversized, sem revestimento ou pintura, causaram um verdadeiro choque em durante sua primeira apresentação”, relembrava Maria Helena Estrada no livro Campanas (Bookmark, 2003).
4. Armário Casulo (1989)
Inspirado em um grafite que os designers avistaram na Praça 14 Bis, em São Paulo, o qual ilustrava uma bola enrolada com fios. Faz parte da coleção Orgânicos, apresentada na galeria Nucleon 8 em 1990, na qual começaram a mesclar materiais quentes e frios (neste caso, ferro e galho de jabuticabeira).
5. Fruteira Costela (1990)
Um galho de jabuticabeira faz as vezes de espinha para esta fruteira, cujas “costelas” foram executadas em alumínio fundido.
6. Sofá Papel (1993)
Os Campana começaram a usar o papelão em luminárias, para explorar a difusão da luz por entre suas nervuras. Depois expandiram para o mobiliário: sofá, mesa, cadeira, poltrona e biombo.
7. Biombo Cerca (1994)
Fibras naturais em linguagem contemporânea – outra inovação que os Campana introduziram no design brasileiro. Aqui, varetas de vime estruturadas por conectores de ferro dão origem ao biombo.
8. Cadeira Plástico Bolha (1995)
Produtos que se deslocam e assumem a função de materiais: no processo criativo dos Campana, principalmente no início da carreira, esse era um recurso comum e que também ajudou a definir a linguagem dos irmãos. Esta cadeira é um exemplo: o plástico bolha faz, de uma só vez, o papel de estofamento e revestimento. O ineditismo da proposta deu origem a uma história curiosa: em 1998, quando a peça chegou ao MoMA para a exposição Project 66, o funcionário do museu começou a “desembrulhar” a cadeira, quase destruindo-a. (Foto: Andreas Heiniger)
9. Mesa Inflável (1995)
Outro deslocamento: aqui, duas formas de pizza fazem as vezes de tampo e estrutura, enquanto o “miolo” utiliza o molde de um elemento publicitário inflável – uma lata de refrigerante, no caso. Solução duplamente inteligente, pois o próprio móvel funciona como embalagem (foto 2).
10. Poltrona Jardim (1995)
Produtos banalizados pelo uso cotidiano estão sempre no radar dos Campana. No caso desta poltrona, a mangueira de jardim se tornou matéria-prima. “Muitas pessoas demoram para perceber que se trata de uma mangueira, e isso nos diverte”, contou Fernando, em certa ocasião. (Foto: Andreas Heiniger)
11. Banco Gangorra (1997)
Uma namoradeira às avessas? Não, apenas um banco que propõe novas formas de interlocução, conforme a posição assumida por aqueles que nele sentam. De alumínio com pintura eletrostática, foi pensado para uso outdoor, mas faria bonito em qualquer living.
12. Poltrona Cone (1997)
De uma simples dobra em uma folha de papel veio a ideia para esta poltrona de viés minimalista, com estrutura em aço inox e concha em policarbonato – a peça entrou em produção pela italiana Edra em 1999. (Foto: Andreas Heiniger)
13. Exposição Projects 66: Campana/Ingo Maurer
Sob a curadoria de Paola Antonelli, a mostra realizada no MoMA de Nova York no final de 1998 estabelecia um diálogo entre o mobiliário de Fernando e Humberto, então em ascensão internacional, e as luminárias de Ingo Maurer, já famoso na época. A combinação entre os trabalhos dos Campanas e so de Maurer proporcionava, segundo Antonelli, “uma declaração única sobre a universalidade e peculiaridade do design contemporâneo”.
14. Mesa Tatoo (1999)
O móvel poético, que lembra um mosaico bizantino ao projetar suas sombras no chão, teve início de uma forma bastante prosaica: os designers buscavam forma acessível de trabalhar com plástico industrializado e viram nos ralos de PVC a solução para esta demanda. Objeto banalizado pelo uso cotidiano, o ralo adquire nova leitura, como se fosse “decodificado” pelo olhar dos irmãos. (Foto: Andreas Heiniger)
15. Cadeira Shark (2000)
Aço inox, policarbonato e junco dão forma a esta peça, na qual novamente os irmãos exploram o mix entre materiais quentes e frios e entre a produção manual e industrializada.
16. Vaso Batuque (2000)
Desconstrução e simplicidade se unem nesta proposta, na qual vários tubos de ensaios são aglutinados e ganham diferente leitura conforme o ponto de vista. A partir de 2001, passou a ser produzido pela italiana Cappellini.
17. Poltrona Anemona (2000)
Novamente os irmãos tiram partido da singela mangueira de jardim para criar uma peça de grande presença e aspecto suntuoso. Produzida pela Edra em 2001. (Foto: divulgação Edra)
18. Sofá Boa (2002)
120 metros de tubos de tecido estofado com espuma de poliuretano e plumas dão origem a este inusitado sofá, produzido pela Edra. Totalmente desestruturado, desconstrói o sentar e convida o usuário a explorar diferentes posições e descobrir aquela que lhe é mais confortável. (Foto: divulgação Edra)
19. Poltrona Sushi (2002)
Outra experiência com o sentar desestruturado, esta poltrona produzida pela Edra mesclava diversos materiais: espuma de poliuretano, cinta elástica, EVA, feltro, plásticos e tecidos diversos.
20. Colar Craft (2001)
Móveis criados pela dupla e temas recorrentes em seu universo inspiraram a criação desta coleção, na qual Fernando e Humberto atuaram como diretores de arte, inspirando e orientando o design das peças pela equipe da H. Stern. Assim, a textura do papelão ondulado, o desenho do ralo, as linhas orgânicas das cordas ganham versão preciosa.
21. Poltrona Corallo (2004)
Um “ninho” de arames de aço inox curvado manualmente cria este assento formado pela trama irregular do material e que retoma uma linguagem iniciada com a poltrona Discos, em 1992 .
22. Cadeira Jenette (1999)
Originalmente criada para a colecionadora Jenette Kahn, que queria 12 peças para sua sala de jantar. Uma alma metálica, “escondida” entre os fios de PVC do encosto, proporciona às costas o suporte necessário. Passou a ser produzida pela Edra em 2006.
23. Poltrona Trans… (2007)
A relação entre o natural e o sintético é o ponto central dessa cadeira conceitual, que, segundo os designers, está no “último estágio antes de se tornar natural. . . É a última batalha na história fictícia onde a natureza domina o plástico”. É quase como se os objetos plásticos estivessem sendo “expulsos” da trama natural que compõe a poltrona. A peça integra a coleção do Cooper-Hewitt Design Museum desde o ano de sua criação. (Foto: Andrew Garn / divulgação)
24. Café Campana (2011)
Instalado no icônico Musée d’Orsay, em Paris, o antigo café do relógio foi totalmente remodelado por Fernando e Humberto e rebatizado em homenagem à dupla. Inspirados por Emile Gallé, os designers fazem aqui um tributo ao art nouveau (estilo que rege a arquitetura do edifício) – à moda Campana, logicamente.
25. Exposição Brazilian Baroque (2011)
Aqui, os irmãos trocaram os materiais humildes (naturais ou produzidos industrialmente) que normalmente usam por matérias-primas nobres como bronze fundido e mármore, criando móveis suntuosos que caíram como uma luva nos interiores opulentos da Galeria Cortona, localizada no interior do Palazzo Pamphillj, sede da embaixada brasileira em Roma. “O nosso estilo barroco é marcado pela imperfeição, cuja intenção é desorganizar a harmonia, pervertê-la e misturá-la com elementos próprios do nosso trabalho”, contam os dois. (Foto: divulgação Galleria O)
26. Exposição Barroco Rococó (2012)
Algumas das criações apresentadas no Palazzo Pamphillj e outras inéditas compõem esta mostra, exibida no Musée des Arts Décoratifs de Paris. Todas as peças (luminárias, castiçais, mesas ou assentos) têm inspiração barroca e incorporam elementos decorativos antigos, um repertório iconográfico dos séculos 17 e 18. A torção da base de um castiçal, por exemplo, não é apenas um elemento do vocabulário Campana, mas também uma referência direta ao movimento ascendente de torção presentem em muitas esculturas de Bernini (1648-1651). (Foto: divulgação Les Arts Décoratifs)
27. Armário suspenso Maracatu (2015)
Concebido para a coleção Objets Nomades, da Louis Vuitton, este armário de viagem se destaca pelas fitas de couro multicoloridas, presas, uma a uma, à estrutura de microfibra. Ao abrir o zíper de metal dourado, revelam-se três prateleiras. Em uso, possui 1,30 de altura e 38 cm de diâmetro; quando compactado, o diâmetro se mantém e a altura fica em apenas 21 cm. Das peças desenvolvidas pelos Campana para esta coleção (são várias), esta é sem dúvida a minha favorita. (Foto: divulgação Louis Vuitton)
28. Linha Cangaço (2015)
Em associação com o mestre artesão Espedito Seleiro, os irmãos Campana propõem o diálogo entre dois materiais aparentemente distantes – o couro ornamentado, que se tornou famoso ao ser empregado nas roupas de Lampião, e a palha trançada popularizada pelo vienense Michel Thonet no século 19. As peças foram comissionadas pela Firma Casa.
29. Refettorio Gastromotiva (2016)
O Refettorio funciona como um restaurante-escola, no qual chefs convidados e jovens talentos da gastronomia cozinham com alimentos excedentes (uma iniciativa dos chefs Massimo Bottura, David Hertz e da jornalista Ale Forbes). A convite de Vik Muniz, responsável pela curadoria artística do espaço, os Campana desenvolveram um mobiliário que parte do desenho espontâneo e informal do mobiliário criado pelos pedreiros em obras para atender a necessidades imediatas.
30. Aesop Vila Madalena (2016)
Os cobogós – elementos caros aos irmãos e recorrentes em seu trabalho – são a base do projeto da loja da marca de cosméticos: eles formam, paredes, piso, balcão e inspiram também o uso de tijolos vazados nas prateleiras.
31. Poltrona Bolotas (2016)
As “bolotas” de lã de carneiro tingida são costuradas manualmente para dar forma à poltrona, inspirada na textura dos muros de pedra e criada para a galeria Friedman Benda. (Foto: Fernando Laszlo / divulgação)
32. Mostra Irmãos Campana (2016)
Em uma área de 1500 m2, as peças mais icônicas produzidas pela dupla foram apresentadas no Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba, numa belíssima cenografia, concebida por Humberto e pela curadora da mostra, Consuelo Cornelsen. (Foto: Henrique Towns / cortesia MON)
33. Linha Assimétrica (2017)
Formas desconstruídas e um certo ar de improviso dão o tom à democrática coleção criada pelos irmãos para a Tok&Stok. Executados em MDF e com acabamento laqueado, os itens são o resultado de um processo que evoluiu ao longo de quase um ano: as peças são uma exolução dos móveis desenvolvidos por eles para o Refettorio Gastromotiva.
34. Noah Wall (2019)
Parte da série Hybridism, o aparador de parede em bronze fundido criado para a Carpenters Workshop Gallery reproduz vários animais empilhados, todos apoiados sobre a cabeça de um passarinho, que parece não sentir o peso.
35. Sleeping Piles (2019)
Com sete torres de 5 metros de altura cobertas de grama, a instalação criada para a revista Interni durante a semana de design de Milão refletiam as curvas dos arcos e pilares da colunata do edifício da Università degli Studi, sugerindo um diálogo entre as linhas orgânicas da natureza e as curvas da arquitetura. cobertas de grama. O nome Sleeping Piles é um trocadilho com sleeping pills: a ideia era que os visitantes relaxassem, deixando para trás o caos da cidade e o agito da vida contemporânea. (Foto: Saverio Lombardi Vallauri)