Há três anos, a feira alemã imm cologne organiza a mostra Das Haus, uma instalação na qual convida designers de renome mundial a simular os interiores de uma casa que seja, nas palavras dos organizadores, “prática, bonita e, sobretudo, autêntica”. Esse ano foi vez da dinamarquesa Louise Campbell, conhecida pelo approach feminino e decorativo do seu trabalho e que tem no seu currículo empresas poderosas como Louis Poulsen, Zanotta, Royal Copenhagen, Stelton e Muuto.
A feira terminou ontem, e a casa experimental concebida por Louise vai ser desmontada, mas deixa uma impressão duradoura. Trata-se de um grande espaço aberto de 240 metros quadrados, uma “slow house, repleta de coisas feitas à mão” e materiais naturais, bem de acordo com a herança do design escandinavo. Mas o link com qualquer tradição para por aí. No mais, a “Haus” de Louise subverte não só a conformação tradicional dos espaços domésticos como também as dimensões tradicionalmente empregadas no mobiliário.
Ao ser convidada pela organização da imm cologne, sua primeira pergunta foi: “posso brincar?” E assim, meio como a Alice de Lewis Carroll, Louise criou sua “casa das maravilhas”, na qual uma cama de 16 metros de largura convida a sentar-se, refestelar-se e, claro, dormir, e uma mesa compridíssima permite reunir diferentes atividades, como comer, trabalhar ou simplesmente se reunir com os amigos. Na cozinha, outra surpresa: uma parede reúne 573 ferramentas e utensílios dos mais diversos tipos, desde aqueles necessários para cozinhar até outros mais usados em oficinas.
Por trás de tudo, a ideia de alcançar o equilíbrio entre feminino (macio, emocional, decorativo, sensual, delicado) e masculino (duro, racional, funcional, efetivo, forte). “Não apenas como a representação de homem e mulher vivendo juntos, mas como uma forma de mostrar o movimento constante entre esses dois polos, que existem dentro da maioria de nós, mas com pontos de equilíbrio que variam individualmente e afetam fortemente o modo como escolhemos viver”, filosofa Louise. Assim, a “Haus” da designer dinamarquesa resulta da fusão de dois volumes, um masculino e outro feminino – o ponto de intersecção entre ambos é a longa mesa, onde tudo se combina de maneira harmônica.
À função e a flexibilidade de uso dos ambientes (que são definidos somente pela disposição do mobiliário, abrindo espaço para a mudança sempre que ela for necessária ou desejada), soma-se a incrível paixão que Louise tem pelos detalhes, que se manifesta no uso elaborado de tecidos e papéis de parede e também em pormenores como os livros instalados junto ao teto, nas tesouras. Tudo isso torna a casa experimental atraente e sedutora.
“Não há paredes dividindo as várias zonas, apenas tecidos que podem ser enrolados e desenrolados conforme desejado. Não há segredos e nem pressão – o casamento perfeito. Talvez seja mesmo a casa ideal”, avalia a designer que, ao mesmo tempo adverte: “Não se pode imitar 100% uma casa criada num lugar como esse, pois não há ar nem luz. Então a minha ‘Haus’ é muito mais abstrata [do que uma casa real]”.
Ao mesmo tempo que a Das Haus busca apontar para o modo como oderemos viver no futuro, logicamente exprime a visão pessoal do seu criador. No caso de Louise, além de todos os aspectos já citados, também há a alusão a um dilema particular, como ela mesma explica: “os dinamarqueses não gostam de decadência, tudo é perfeitamente renovado. Mas eu, que sou filha de um dinamarquês e uma inglesa, tenho uma forte afeição pela beleza da decadência. Para mim, essa perfeição rígida e quase assustadora é o lado sombrio da Dinamarca. Mas isso está gradualmente mudando, o que é bom, porque um ambiente pode se tornar tão perfeito que fique cínico e impessoal”.
Por isso, a casa de Louise abre lugar para falhas e imperfeições, como buracos ou desencontros nos papéis de parede e o uso de uma banheira com marcas visíveis de uso. Trata-se de uma peça antiga, com mais de cem anos, que foi emprestada da coleção do museu da Villeroy & Boch e colocada, orgulhosamente, no meio da área de estar.