Talento e simplicidade

Tempo de leitura: 10 minutos
Poltrona Pavão: a ave inspirou o desenho e as cores dessa poltrona. Criada inicialmente para a Mdesign, marca do grupo Mannes, foi relançada em 2013 pela Benita Brasil, em nova versão com tecidos estampados da TEZ (Alex Bigeli)

Simpático, bem-humorado e sem afetação. Em poucas palavras, dá para descrever assim o jeito de ser do designer paulista Edu Bortolai, um dos talentos da nova geração do design brasileiro, à frente do Studio B desde 2011. Sua empolgação com o métier é visível na animação com que falou ao Design do Bom, num bate-papo bem informal e super agradável. Humilde, credita parte do sucesso que tem obtido à sorte – que pode ter ajudado, mas de nada valeria sem o talento, né? Aliás, o moço acaba de saber que uma de suas crias foi premiada no importante Idea Brasil. Com a palavra, Edu Bortolai!

O designer Edu Bortolai

Como foi o começo da sua carreira?
Me formei na Belas Artes em 2001. Entrei na faculdade querendo desenhar carros, mas logo me interessei por mobiliário. Formado, fui trabalhar num escritório chamado Design Connection, que faz celular, linha branca… era bem legal. Ao sair de lá, fui para a Tok&Stok – eu tinha tentado trabalhar lá durante a faculdade, mas não deu certo porque eu ia me formar em 4 meses e a vaga de estágio era para 6 meses. Fiquei arrasado! Aí me formei, passei um ano na Design Connection e nesse tempo abriu uma vaga no departamento de design da Tok & Stok. Fui e fiquei quase oito anos, sempre desenhando mobiliário. Foi incrível, agradeço tudo a eles, aprendi muito lá.
E em que ano você estabeleceu o Studio B?
Em 2011. Foi quando resolvi voltar para Piracicaba. Foi uma decisão difícil, porque eu gostava de morar em São Paulo, mas resolvi voltar e foi a melhor coisa. Quando eu saí para fazer faculdade em São Paulo, Piracicaba me parecia o fim do mundo, mas quando eu voltei, a percepção era outra: tinha qualidade de vida.

Mesa Torre: inspirada nas torres de energia espalhadas pela cidade de São paulo, foi criada para a Clami
Bufê Torre, também criado para a Clami. Além da base, o tema da eletricidade também estava presente nas portas metálicas, cujo desenho remetia às portas de quadros elétricos
Poltrona Biscoito Fino: criada para a Oppa, tem estética vintage, que o designer atribui à sua memória afetiva. Para projetar a linha, ele tratou de “lembrar da casa da vó, dos móveis antigos, sentir o cheiro do biscoito saindo do forno…”
Mesa Biscoito Fino, também da Oppa

E como foi esse início? Você sentiu alguma dificuldade específica?
Tive sorte, pois durante minha temporada na Tok & Stok estabeleci um relacionamento bom com alguns fabricantes e um deles – a Mannes –, quando soube que eu tinha saído, me chamou para criar uma linha. Naquela época, [a marca] ainda era Mdesign, a Benita [Brasil, marca criada por Roberto Mannes Jr. em 2013] viria depois. Então essa parte foi fácil, porque tive um apoio bom de um nome forte já no começo. Outra sorte foi ter recebido o contato da Oppa, que ainda estava bem no início – a gente nasceu meio junto. Também fiz peças para a Clami… Encontrei muitas pessoas bacanas nesse começo, que acreditaram no meu trabalho. Também tive tive a sorte de ter produtos palpáveis para mostrar, era só a pessoa ir numa loja da Tok & Stok e olhar [risos].
Você voltou a desenhar para a Tok & Stok, depois de sair da empresa?
Sim, fiz uma linha de home cinema, chamada Odissey [lançada em 2013]. Foi inspirada no filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, do Stanley Kubrick, que explorava o uso do branco e o minimalismo.

O home cinema Odissey (2013), criado para a Tok& Stok, é composto por elementos independentes, que podem ser agrupados conforme o desejo e a necessidade do usuário. Na foto, dois módulos de parede (estante aberta e armário com porta) e um rack – uma mesa lateral também compõe a linha

E como é o seu processo de desenvolvimento? Qual é o papel que a pesquisa tem no seu trabalho?
Muitas vezes eu não recebo um briefing fechado, então isso me dá uma grande liberdade e eu vou para um caminho pelo qual estou apaixonado no momento. No caso da Benita, por exemplo, o Roberto [Mannes Jr.] tinha me pedido um desenho com cara de Brasil. E eu, naquela época, já estava apaixonado pelas roupas do sertanejo, do cangaceiro, os cortes de couro… estava pesquisando bastante isso e decidi usar esse tema. Então, criei duas poltronas iguais: a Maria Bonita é toda revestida de tecido, só com pequenos detalhes de couro; já a Lampião tem uma capa de couro, com tachinhas, como se fosse a roupa do Lampião, que era mais vaidoso. Esse processo me fez ficar animado com o Brasil, me fez ter vontade de criar móveis contemporâneos ligados à “história” do Brasil. Foi nesse embalo que nasceu a linha Simples [banco, banquinho e cadeira, criados para a Empório das Cadeiras e lançados este ano], que vem do caipira. E tem alguns outros produtos, que ainda não foram lançados, que têm essa cara também…

 

Poltrona Lampião, da Benita Brasil
Poltrona Maria Bonita, da Benita Brasil

Você trabalha com várias empresas, tem essa facilidade de produzir com a indústria. É bem frequente vermos os jovens designers se queixando da dificuldade de começar a trabalhar com a indústria. Você não passou por esse problema, né?
Não passei, porque na Tok & Stok eu trabalhava muito inserido no contexto da fábrica, então foi natural para mim. Porque a gente tinha que ter um design bacana e conseguir um bom preço, então isso só se consegue [com a vivência] na fábrica mesmo, sendo criativo na hora de desenvolver e dar ideias para fazer as coisas de forma diferente… Quando eu vou à fábrica, minha cabeça se abre, é uma delícia.
Falando nisso, existe uma preocupação de aproveitar melhor o material, uma coisa que venha da vivência em fábrica? Porque nas suas peças a questão do conceito é sempre muito clara – o que é ótimo, pois todo projeto fica muito mais interessante quando tem uma história por trás –, mas fiquei curiosa em relação a esse lado mais pragmático da coisa.
Vou confessar que gosto disso, de pegar o MDF e ficar dividindo a chapa para ver o melhor aproveitamento. Na minha opinião, o aproveitamento de material é algo que não dá para não ter. Quando vou conhecer a fábrica, sempre quero saber qual é o tamanho da madeira, para pensar em como aproveitar melhor.

Banco Neko (2014): criado para o Empório das Cadeiras, tem certa inspiração na arquitetura tradicional japonesa
Cadeira Neko, também da Empório das Cadeiras

E falando em madeira, noto que você tem vários produtos que usam essa matéria-prima. É uma demanda de mercado ou um gosto pessoal?
Acho que é um gosto pessoal. É um material muito bacana – ela é viva. Você olha aquela tábua, e aí vai vendo o processo (e por isso é bom estar na fábrica) e vai mudando uma curva aqui, outra ali, e a peça vai nascendo de um jeito… primeiro é aquela coisa bruta e, quando você vai ver, é algo liso e brilhante, é incrível!! Além disso, a madeira tem uma coisa nossa, do Brasil, é muito bonita… e dá calor! Quando você coloca a madeira num ambiente, vira LAR. E outra coisa que eu gosto é que, quando você combina a madeira com a cor, ela dá uma suavidade para aquela cor, deixa mais chic. Isso acontece na linha NewVintage, por exemplo – mas, claro, eu usei a madeira aqui também para trazer um pouco do ar retro –, e no sofá Aristocrash, onde a madeira dá uma “acalmada” na estampa. Acho que é isso: no final das contas, a madeira acalma.

Sofá Aristocrash, da Benita Brasil, vistas de frente e costas
Módulo de canto do sofá Kerala, produzido pelo Studio B em parceria com a Solid

E nesse momento, você está trabalhando em projetos para quais empresas?
Toca da Movelaria, Empório das Cadeiras, Benita Brasil, Tok & Stok, Oppa… Também desenvolvemos produtos por nossa conta, com um fabricante parceiro de Piracicaba mesmo, a Solid.
De todos os seus produtos, até hoje, quais você acha que foram mais importantes para a sua carreira e por quê?
A NewVintage, porque foi o primeiro produto que ganhou prêmio [no Salão Design 2012], logo no primeiro ano do Studio B. Isso ajudou muito, porque ganhar um prêmio não só põe o seu nome em evidência, como te coloca em contato com associações, o Sindmóveis, por exemplo. Foi assim que entrei no Orchestra Brasil, da Apex, e fui expor meu trabalho em Milão [durante o Salão do Móvel de 2013]. Acho que essa é uma das coisas mais importantes de se ganhar prêmios: você conhece pessoas que estão trabalhando para o design acontecer. Isso é muito importante. E os produtos da Benita também me deram visibilidade, me abriram a porta para trabalhar num setor que dá mais liberdade de criação, onde a preocupação com o custo não é tão forte.

Bancada NewVintage, produzida pela Solid e premiada no Salão Design Movelsul 2012
anquinho Simples (2014), do Empório das Cadeiras. Inspirado no banquinho caipira, é um dos vencedores do Idea Brasil 2014
Banco Simples (2014), também do Empório das Cadeiras
Cadeira Simples (2014), também do Empório das Cadeiras

O banquinho Simples acaba de ser premiado no Idea Brasil, certo?
Isso mesmo! Recebemos há pouco tempo o aviso do prêmio, e ligamos para eles umas três vezes para confirmar se podíamos divulgar [risos]. Em setembro saberemos se ele ganhou ouro, prata ou bronze.
E agora aquela pergunta difícil e básica: tem algum xodó, dentre as suas criações?
Ai, não consigo fugir do clichê: “são todos filhos”… [risos] Mas o pior é que tem alguma coisa assim mesmo! Mas tem uma que eu gosto de um jeito especial, a poltrona Smooth. Acho ela tão fofa… Foi lançada no primeiro ano do escritório, a Benita ainda não existia (era Mdesign, na época). E tem uma história de trazer o retrô de volta – eu sou um cara muito família, e essa memória de família está muito presente para mim. Da casa da minha avó, que todo mundo se reunia lá no domingo, e ela cozinhava… levo muito isso comigo. E essa poltrona vem disso, de trazer uma coisa mais “vó” e fofa, bonitinha… Nossa, estou surpreso, achei que eu não fosse encontrar um xodó! [risos]

Poltrona Smooth, criada para a Mdesign e relançada no ano passado pela Benita Brasil
Vista lateral da poltrona Smooth, com banquinho

 

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.